A preleção da interdisciplinaridade na prática

Diogo Batalha

Gerontólogo na Santa Casa da Misericórdia de Águeda;

Licenciado em Gerontologia pela Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro;

Mestre em Gerontologia pela Secção Autónoma das Ciências da Saúde;

Doutorando no Programa Doutoral em Gerontologia e Geriatria da Universidade de Aveiro / Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar;

Presidente da Direção da Associação Nacional Interdisciplinar da Economia Social – ANIES;

Formador na área da Gerontologia.

A interdisciplinaridade não é só uma moda académica, epistemológica ou disciplinar. Abrange duas ou mais áreas de estudo, com especialistas de diferentes disciplinas, que compartilham, constroem ideias e soluções conjuntas, com limites, respeito e humildade, em torno de um objetivo comum. Até a década de 70, o mote de pesquisa era isolado a cada disciplina. No entanto, quando o foco começou a mudar da pesquisa básica para a pesquisa intersubjetiva, no sentido de resolver desafios maiores, como mudanças climáticas, crises alimentares, água, saúde pública, etc., observa-se uma transcendência dos limites disciplinares, avançando, assim, para pesquisa interdisciplinar. Como esta postura ultrapassa os limites convencionais de uma disciplina, muitos especialistas acreditam que a pesquisa interdisciplinar pode resolver problemas que a pesquisa interna a cada disciplina, não resolve.

A pesquisa interdisciplinar tem vindo a ganhar força nos últimos anos e tem criado um impacto social e económico mais amplo. Os defensores da pesquisa interdisciplinar apontam que a evolução deste método tem também um impacto positivo nas disciplinas isoladas. Assumindo-se como o método de pesquisa dos dias de hoje e do futuro, o conceito apareceu no meu percurso na Universidade de Aveiro, com a Gerontologia, através de uma abordagem integral do ciclo de vida (com o foco da sua atuação nos utópicos 65 anos ou mais), colocando-se numa posição bastante interventiva, onde o seu conhecimento científico nada vale se não for aplicado.

Aquilo que há mais de 500 anos uniu a sociedade civil para erguer o setor solidário até aos dias de hoje, para além da Rainha Dona Leonor, foi a criação de relações. A defesa da interdisciplinaridade é algo que tem de ser obrigatório, construindo veículos para uma comunicação e relações que assumam, que todas as partes têm informações valiosas e relevantes. Mas com todas estas barreiras, culturais, sociais, políticas e institucionais tornam de facto a implementação desta linha de pensamento, difícil e não é uma cura para tudo.

Na prática usando como exemplo e aproximando-me da aquilo que separa o contexto de um serviço de cuidados das decisões políticas, é exatamente aquilo que me separa a pele do epíteto. Pensarmos que um acordo de cooperação não influencia a 100 por cento a qualidade de um serviço de cuidados, por exemplo, é como pensarmos que é normal a inexistência de políticas de família, de políticas de envelhecimento, de um plano gerontológico nacional e acima de tudo, pensarmos que não existe necessidade de fiscalizar.

Estaremos possivelmente todos de acordo quanto à necessidade de uma entidade reguladora que assegure a independência da fiscalização dos Acordos de Cooperação celebrados entre o Estado e as instituições sociais. Uma fiscalização se quer construtiva e diferenciadora entre quem faz bem e quem faz mal, deixando de parte os albergues de crimes hediondos a que continuamos a chamar de Lares ilegais. Para mim a palavra lar nada tem que ver com casas de Holocausto e para essas apenas, devemos exigir prisão e encerramento imediato.  A fiscalização de que falo, é no espírito em que se enquadra a Economia Social: o espírito da cooperação.

Mas a Economia Social felizmente não se esgota nas IPSS’s e nas suas respostas sociais, passa também pela existência de empresas sociais, que a bibliografia ainda hoje se confunde, confronta e separa, na chegada à meta sobre seu consenso. De facto, a delimitação deste conceito está longe de estar fixada, bem como outros conceitos da economia social, este é um campo onde participa uma grande variedade de intervenientes. Em Portugal constata-se que a discussão sobre o empreendedorismo social, ainda recente, enfrenta dois tipos de pressão. Por um lado, rejeita-se qualquer aproximação ao conceito de empreendedorismo social, não aceitando o domínio da gestão no setor. Por outro, e não menos interferente, é a adesão sem crivo a esta novidade, e mesmo a sua tentativa de colonização, por parte de sectores que tomam a ideia do empreendedorismo como a solução para os problemas de desenvolvimento do país.

Temos de ser capazes de encontrar um equilíbrio entre a evolução do caminho e a soluções variadas e não negligenciar a história e a experiência acumulada no que concerne à intervenção social em Portugal e Às suas organizações. A ANIES – ASSOCIAÇÃO NACIONAL INTERDISCIPLINAR DA ECONOMIA SOCIAL, nasceu pela vontade de várias perspetivas, ideologias, opiniões e experiências. Constituída por pessoas de origens interdisciplinares que veem além dos limites do seu próprio campo com a ambição de encontrar soluções inovadoras.

As formas de atuação da interdisciplinaridade, são uma área em desenvolvimento e em estudo, que está a ocorrer, dentro e entre as diferentes áreas profissionais e científicas que intervêm nos mais diversos contextos e dimensões da vida humana. A interdisciplinaridade deve ser entendida como um sistema de “nós e elos”, capaz de organizar pessoas e organizações, de forma igualitária e democrática, em torno de um objetivo comum. Possibilitando a existência de processos capazes de responder aos seus requisitos: flexibilidade, conectividade e descentralização das intervenções a implementar sobre determinada temática, território ou setor de atividade.

O que significa que a interdisciplinaridade, convida a compreendermos os outros, a aprendermos a negociar e a construir pontes, a adotarmos linguagens comuns e, em última análise, a encetarmos um processo de transformação das culturas organizacionais, comunitárias, sociais e políticas

A Gerontologia, tem me proporcionado um crescente crescimento do meu conhecimento interdisciplinar. O contacto com todas as áreas profissionais é fundamental para a união das mesmas, na melhoria da qualidade de vida e bem-estar das comunidades. É urgente perceber que independentemente das lutas individuais de cada profissão, o bem comum não pode em alguma circunstância ficar negligenciado.

Mas a essência e o objetivo final da interdisciplinaridade é a construção de elos e soluções conjuntas, o espírito de partilha e a convergência de saberes, a prática de solidariedade e da fraternidade, no contexto mais puro, inteiro e holístico do ciclo de vida.

A ANIES propõe-se a desenvolver, inovar e comunicar no setor da Economia Social, atuando na construção de políticas públicas e com a promoção do empreendedorismo social.​ Tendo como missão promover ações e investigação interdisciplinares inovadoras que promovam o pensamento crítico sobre e na Economia Social, num contexto regional, nacional e internacional, com o objetivo de assegurar a qualidade de vida, bem-estar, saúde, segurança, participação e informação das comunidades, a prosperidade do setor e o desenvolvimento inovador da Economia Social. Assente nos valores da Promoção da Interdisciplinaridade; Desenvolvimento Científico; Desenvolvimento Sustentável; Responsabilidade Social; Solidariedade; Promoção da qualidade vida, bem-estar, saúde, segurança, participação e informação; Tomada de Decisão Democrática;

Fundada a 2 de setembro de 2019 estou certo de que não seremos um fardo, ou uma pedra nas ” sandálias”, seremos certamente um acrescento, de low profile e sem dúvida de muito, muito, trabalho, não para melhorar a vida dos outros, mas a de todos e a de um setor que precisa de investimento e acima de tudo, necessita de estudo coeso e convergente.

Que a interdisciplinaridade eleve a ANIES humildemente ambiciosa.

www.anies.pt

Poderá também gostar de:Poderá também gostar de: