
Opinião de Ricardo Vieira, atualmente, Professor Coordenador Principal da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leiria, professor Decano do Instituto Politécnico de Leiria e Investigador do Centro de Investigação Identidade(s) e Diversidade(s) – CIID- IPL
A pedido de Noélia Silva e de David Martins, dois brilhantes assistentes sociais que tive a honra de ter como estudantes de licenciatura, e que foram, respetivamente, delegada e subdelegado da turma na ESECS-IPLeiria, entre 2009 e 2012, deixo aqui dois apontamentos como contributo para este grande projeto que iniciaram:
A- Um brevíssimo apontamento sobre a história do Serviço Social no IPL;
B- Uma nota mais analítica sobre a importância do saber trabalhar com a multiculturalidade em contextos de intervenção social, matéria que sempre privilegiámos na licenciatura de serviço social em Leiria.
A- Do historial
A emergência de novos problemas sociais resultantes das migrações e, particularmente, da imigração de que Portugal tem vindo a ser alvo, associada ao envelhecimento demográfico, às exclusões sociais várias e à toxicodependência que têm ocorrido em Portugal e com significativo enfoque na zona centro, é base fundamental da intervenção letiva e investigativa da licenciatura em Serviço Social da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Leiria.
Em 2002, a Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Leiria (ESE – IPL) tornou-se a única instituição pública em Portugal Continental a lecionar a Licenciatura em Serviço Social, depois de décadas em que a área foi monopólio do ensino privado.
A criação desta licenciatura fundamentou-se na necessidade de formar técnicos de serviço social para intervir em todo o país e, em particular, na região centro e na região de Leiria e Oeste. Decorrente da aposta da ESE-IPL na área das Ciências Sociais, para além da formação de professores, a área mãe da escola, esta mudou, entretanto, de nome para melhor incluir todas as suas áreas de atuação. Passou a designar-se de ESECS – Escola Superior de Educação e Ciências Sociais. E desenvolveu-se, a par do serviço social, também a educação social e a animação, essa tríada da intervenção social que bebe muitos dos seus princípios na pedagogia social e comunitária. O trabalho de docência no curso de Serviço Social tem-se fundamentado numa conceção de intervenção social que abarca não só a visão tecnicista do serviço social mas, também, a da flexibilidade profissional dentro do âmbito do serviço e políticas sociais. De uma forma genérica, estes técnicos deverão também assegurar a pesquisa, a recolha e tratamento de informação e deverão estar aptos a intervir em contextos sociais problemáticos e multiculturais. Daí a preocupação que os coordenadores do Serviço Social sempre tiveram com a implicação dos seus estudantes na investigação. Daí o envolvimento em múltiplos projetos do CIID – Centro de Investigação Identidades e Diversidades (www.ciid.ipleiria.pt ).Uma das preocupações científicas sempre passou pelo estudo das identidades pessoais, culturais e profissionais e pela problemática da Multiculturalidade e do Serviço Social em contextos de acentuada diversidade sociocultural, de que aludiremos a seguir.
B – da Multiculturalidade e do Serviço Social
É inevitável, nas sociedades contemporâneas, pensar os públicos do serviço social de um modo complexo e heterogéneo. Mais que família, temos famílias; mais que juventude, temos jovens; mais que velhice, temos idosos; mais que infância, temos infâncias ou, melhor ainda, crianças; mais que exclusões, temos excluídos; mais que toxicodependência, temos toxicodependentes; mais que pobreza, temos pobres, mais que emigração e imigração, temos emigrantes e imigrantes, cada um com os seus percursos e gestão de identidades diferenciada, etc. Urge pensar nos sujeitos e suas histórias de vida e menos em categorias sociológicas fechadas e uniformizadoras que são um obstáculo ao trabalho social diferenciado e personalizado. Urge pensar nas pessoas, nas suas identidades pessoais e não, apenas, em atores sociais de quem se espera um papel pré concebido e uma resposta uniforme. O assistente social trabalha com pessoas [também com instituições, claro, mas são as pessoas que (re)fazem as mesmas] e é com elas, e não delas ou para elas, como se de objetos se tratasse, que tem de emergir o trabalho de prevenção e de resolução do assistente social. A multiculturalidade e a necessidade de a considerar numa intervenção social, que urge ser intercultural, está presente nas instituições, mais ou menos totais, quer seja a propósito da alimentação, da religião, do género, das histórias de vida de cada utente, das opções sexuais, dos grupos sociais e profissionais, etc. Assim, o utente deixa de ser visto como objeto, e mesmo como ator, para passar a ser visto como um interlocutor, com todas as suas idiossincrasias identitárias, no trabalho do e com o assistente social.
Urge combater o daltonismo cultural [e muitas vezes, no seu limite, a cegueira cultural] para que o assistente social consiga fazer uma intervenção com o outro, de modo a empoderá-lo e a autonomizá-lo, dentro das possibilidades e limitações de cada caso. Trata-se de conceber, a este propósito, um assistente social como um mediador sociocultural e intercultural, que conhece, reconhece, respeita e potencia a troca de todas as heterogeneidades socioculturais. Nesse sentido, a interculturalidade, como prática social, desemboca num paradigma complexo onde a mestiçagem cultural deixa de ser vista como um problema para passar a ser vista como um objetivo de uma sociedade que se quer mais inclusiva, e comunicativa, e onde a diversidade não é problema mas, antes, normalidade.
Referências e bibliografia complementar:
VIEIRA, R. (2014). http://sgo.sagepub.com/content/4/1/2158244013517241).