O Serviço Social em contexto hospitalar: desafios e constrangimentos

Susana Outeiro Alexandre

Licenciada em Serviço Social pelo Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa. Assistente Social no Hospital de Santa Maria – Centro Hospitalar Lisboa Norte

Com os avanços tecnológicos a que temos assistido nos últimos anos, a organização hospitalar adquiriu uma estrutura burocrática com uma hierarquia algo rígida, na qual os seus profissionais estão sujeitos a normas, regulamentos e valores. Nesta perspectiva, os desafios que se colocam a uma organização desta natureza, pautam-se por rigorosos critérios de racionalidade e eficiência, não perdendo de vista a qualidade dos cuidados prestados.

O modelo bio-médico, tem sido o modelo predominante, pelo que “(…) as dimensões psicossociais do doente são em larga medida invisíveis para os profissionais de saúde no contexto hospitalar” (Dias, M.R: 1997), na medida em que não é considerada a vivência da doença por parte do indivíduo no quadro das suas relações sociais quotidianas.

Nesta perspectiva, a doença e o doente são sempre referenciados ao mundo da medicina, identificando-se um modelo médico-centríco persistente e resistente à integração de outras concepções sobre a doença, cabendo aos profissionais de serviço social contribuir para descentralização dessa concepção de prestação de cuidados para uma orientação psicossocial. Face à crescente cronicidade da doença e prolongamento da vida, o serviço social atua num universo social muito mais amplo que a medicina, e integra múltiplas dimensões que contemplam as relações entre a doença e a sociedade.

Nos últimos anos, o conceito de saúde foi reconfigurado e conceptualizado, entendido como um conjunto de esforços coletivos e individuais para potenciar o máximo de saúde a que podemos aspirar (Carvalho, 2012). Internacionalmente é assumido que a saúde mais do que um estado “é um direito fundamental de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, credo político e condição económica ou social” (OMS, 2011:1). Esta visão integrada da saúde tem em conta um conjunto de determinantes, que já não são só biopsicossociais, mas sim comportamentos económicos, políticos, sociais, individuais, culturais e de género (Carvalho, 2012).

Neste enquadramento a intervenção em serviço social está associada a um modelo holístico, o qual tem em conta, de uma forma sistemática, todas as dimensões do ser humano em relação com o contexto em que se insere.

No modelo holístico a pessoa e o seu ambiente constituem uma unidade. Nesta perspetiva, Reis (1998:161;2005:26) caracteriza o modelo holístico como integrador, destacando que “a doença afeta toda a unidade e não apenas um aspeto particular da mesma; o foco da intervenção terapêutica deve ser a pessoa, no âmbito do seu ambiente físico e social, e não apenas um aspeto particular do seu corpo (…); a pessoa e o ambiente constituem uma totalidade; a pessoa doente participa ativamente na promoção do seu estado de saúde, é um dos agentes; a experiência e as significações de ser doente pode ser utilizada criativamente e que o paciente e o profissional são parceiros no processo terapêutico”.

Deste modo, a atividade do serviço social em contexto hospitalar deverá desenvolver-se integrada funcionalmente com os demais profissionais de saúde, com idêntico nível de dignidade e autonomia, ou seja, o assistente social assume-se como componente da equipa terapêutica ao invés de complemento, interagindo em todos os momentos que compõem o quotidiano do processo colectivo do tratamento. Neste âmbito, a participação diária dos assistentes sociais nas visitas médicas e nas reuniões clínicas –  onde são abordadas todas as situações dos doentes internados nas várias vertentes médica e social – constitui-se como um momento fulcral, privilegiando a troca de informações entre todos os profissionais que compõem a equipa terapêutica e onde ressalta a importância da intervenção social no acompanhamento do doente/família e no planeamento da alta. Neste plano, assume especial relevância as vertentes mais subjectivas do modelo holístico como a fragilidade emocional do indivíduo, o modo de vivência da doença, bem como as alterações psicológicas decorrentes da situação de doença ou do tratamento.

O modelo holístico espelha-se, em termos metodológicos, em diversos momentos da intervenção social. Neste sentido, a missão essencial dos assistentes sociais na saúde apresenta-se como a de enfatizar a relevância e a centralidade dos factores psicossociais, enquanto determinantes ou favorecedores do tratamento, da reabilitação, da readaptação e da reintegração dos doentes/dependentes nos ambientes sociais que mais se lhes adequam e favorecem o desenvolvimento de todas as suas potencialidades. (DGS, 2006). Num Serviço de internamento, o acolhimento, a elaboração do plano individual de cuidados, o acompanhamento psicossocial, a preparação da alta e da continuidade de cuidados são os momentos mais marcantes da prática do serviço social, realizado através de um conjunto de procedimentos.

Sublinha-se, no entanto que as especificidades da ação do assistente social em cada Serviço dependem dos tempos de internamento/ acompanhamento que tem previsto, bem como da faixa etária e da natureza da doença e estádio da sua evolução. Deste modo, a avaliação de necessidades e das condições médico-sociais é uma das funções fundamentais da intervenção social em meio hospitalar. Em 1997 a Direcção Geral dos Hospitais definiu o Planeamento de Altas como “o conjunto de actividades prosseguidas por uma equipa multidisciplinar de cuidados, ao longo do internamento, que facilita a transferência adequada e em tempo útil do doente, de uma instituição para outra instituição ou para a comunidade, e assegura a continuidade da prestação de cuidados. Para que a transferência se processe em tempo útil e possa ser considerada adequada, é necessário que a alta clínica seja coincidente com a saída efectiva do doente da instituição, e que esteja disponível o tipo de cuidados apropriados à sua situação”. Deste modo, e para atingir aquela premissa, a avaliação deverá ser efectuada o mais precocemente possível.

Como referido anteriormente, a organização e a metodologia da intervenção do serviço social, está dependente de diversos factores, nomeadamente, o movimento de doentes e a duração dos tempos de internamento. Este último ponto assume particular relevância porquanto tem-se assistido à redução significativa do tempo de permanência dos doentes nas instituições hospitalares, pelo que embora os doentes estejam no hospital, não são do hospital. (Dias, M.R. 1984:80).

Paralelamente, a visibilidade mediática dada à sobrelotação dos hospitais e ao número de doentes com alta protelada por motivos sociais, colocam o assistente social na mira, não só da opinião pública, mas também dos restantes profissionais da equipa. Assim, a pressão existente para a efetivação da alta hospitalar, pode sobrepor-se ao foco da intervenção, tornando secundários aspetos fundamentais como o aconselhamento, a gestão da doença e o suporte emocional.

Deste modo, podemos referir que no atual contexto social, o assistente social enfrenta múltiplos desafios, destacando-se o excessivo volume de solicitações decorrentes da crescente complexidade dos problemas sociais, com especial incidência na problemática do envelhecimento.

Embora conscientes que um protelamento de alta tem fortes impactos negativos tanto para o hospital (a nível de logística e económico) como para o utente (exposto a potenciais infecções), o assistente social enfrenta o maior dos desafios: encontrar o equilíbrio entre a eficácia do sistema e a melhoria da qualidade de vida dos doentes.

Referências

Carvalho, M.I. (2012). Serviço Social na Saúde. Lisboa: Pactor-Edições de Ciências Sociais e Política Contemporânea.

DGS (2006). Manual de Boas Práticas para os Assistentes Sociais da Saúde. Lisboa: DGS.

Dias, M.R. (1997). “O doente oncológico: um actor participante?” In J.L. Ribeiro (Ed), Actas do II Congresso Nacional de Psicologia da Saúde. Lisboa: ISPA/SPPS.

OMS (2011). Determinantes sociais em saúde. Declaração do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro WHO.

Reis, J.C. (1998). O que é a Saúde? Lisboa: Veja.

Reis, J.C. (2005). O Sorriso de Hipócrates. Lisboa Vega

 

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