O Assistente Social e os cuidados em fim de vida

Susana de Almeida Mesquita

Licenciada em Serviço Social pelo ISSSLx

Pós-Graduada em Saúde e Intervenção Social pelo ISSSLx

Mestre em Serviço Social pelo ISSSLX – Universidade Lusíada

Assistente Social na Câmara Municipal de Sintra

s.almeidamesquita@gmail.com

 

“Somos todos crisálidas; no momento de morrer,
a nossa concha abre-se e transformamo-nos em borboletas…”
                                                                                       Kubler-Ross

 

A medicina tradicional baseava as suas investigações na dimensão biológica da pessoa, ou seja, a doença era definida com base em desvios ou mau funcionamento da biologia do corpo e era independente do comportamento social ou da personalidade do indivíduo – Modelo Biomédico (Reis,1998:37).

Porém, esta visão biomédica tem vindo a ser refutada pois defende-se que a saúde e a doença não se podem restringir aos fatores biológicos ou orgânicos, já que a dimensão psicológica e social da pessoa são igualmente relevantes. Os tratamentos baseados exclusivamente neste modelo tornam-se insuficientes.

Por esse motivo o Modelo Biopsicossocial, no qual a medicina valoriza a interligação das dimensões biológica, psicológica e social da pessoa, tem vindo a substituir a perspetiva biomédica que por vezes ainda prevalece. No âmbito deste modelo a pessoa é vista no seu todo, incluindo não só os aspetos bioquímicos ou fisiológicos, mas também o contexto social em que vive, bem como o sistema de cuidados de saúde. (Reis, 1998:150)

Ainda assim este tipo de intervenção apresenta limitações, pois o doente tem um papel pouco participativo durante o processo terapêutico, não confronta nem é confrontado com as suas conceções e interpretações sobre o seu estado de saúde, diagnóstico e tratamento. “Limita-se a ser um espectador dos vários procedimentos clínicos ou preventivos, impostos por outrem.” (Reis, 1998:151)

O Modelo Holístico parece assim ser o mais adequado para a intervenção social e especificamente para este tipo de problemática – os cuidados em fim de vida. Esta perspetiva refere-se à ideia de totalidade, no sentido em que o todo é mais do que a soma das partes e defende que:

  • A pessoa e o seu ambiente constituem um todo, sendo que a doença afeta a unidade e não apenas um aspeto particular da mesma;
  • A saúde não é a ausência de doença, mas um estado de bem-estar subjetivo que permite à pessoa alcançar os seus objetivos pessoais;
  • A responsabilidade última do estado de saúde é atribuída a cada indivíduo;
  • A educação do paciente é parte integrante dos cuidados de saúde participando no processo de cura, sendo o papel do terapeuta apenas de auxiliar ou facilitador que informa o paciente sobre os fatores que contribuem para a recuperação de uma doença ou para a promoção da saúde;
  • A qualidade da relação terapeuta-doente constitui um aspeto muito importante, sendo considerada igualitária ou recíproca e exige mais tempo do que o que é disponibilizado habitualmente. (Reis, 1998:161)

Dependendo da filosofia ou Modelo subjacente à equipa de cuidados em que o Assistente Social se insere, as suas funções podem ser restringidas ou alargadas.

Se a intervenção da equipa se centra na eficácia do ato médico e no cumprimento de funções institucionais restritas (Modelo Biomédico), o Serviço Social verá restringidas as suas funções. Se pelo contrário, a intervenção contribui para a extensão de recursos e valores e para o alargamento do âmbito institucional, está subjacente a filosofia dos Cuidados Continuados, que se baseia no Modelo Holístico / Integrado.

Este Modelo considera os aspetos físicos, psicológicos, sociais e existenciais do doente, da família e de pessoas próximas, tendo uma perspetiva holística do paciente. Consiste portanto numa abordagem complexa, de natureza global, que requer o contributo de profissionais com saberes e capacidades específicas, num trabalho em estreita colaboração.

Para além da formação qualificada de cada profissional, é necessário o desenvolvimento de capacidades que facilitem a relação entre os membros da equipa, com os doentes, familiares e pessoas próximas.

Um Plano Integrado de Cuidados adequado às necessidades de um doente em fim de vida deve incluir ações de natureza preventiva, reparadora e paliativa, tendo em conta a situação concreta do paciente, os recursos e capacidades da família e das redes de apoio formal e informal.

Este plano deve ser definido pela equipa terapêutica após o diagnóstico da doença e deve ser reajustado sempre que necessário.

No âmbito da equipa terapêutica a intervenção do Serviço Social é muito concreta, situando-se na área de acesso e criação de direitos e recursos sociais. Por outro lado, tem uma abordagem holística, totalizante que articula permanentemente as dimensões psicológica/individual e social/coletiva. Visa igualmente interferir ao nível das relações sociais procurando uma redistribuição mas equitativa de bens e recursos entre os cidadãos e aposta no desenvolvimento de capacidades sociais, individuais e coletivas, a nível:

  • Cognitivo – promovendo a informação, fomentando a compreensão do funcionamento da estrutura e das formas de atualização dos recursos;
  • Relacional – facilitando o desenvolvimento das relações interpessoais e grupais, capacitando para o assumir de novos papéis e estimulando formas de comunicação e expressão;
  • Organizativo – promovendo a interação entre cidadãos e estruturas societais, acionando ou criando novos recursos sociais e desenvolvendo a participação e a capacidade organizativa dos indivíduos e dos grupos. (Johnson & Côrte-Real, 2000:35)

Para isso é fundamental o trabalho em equipa, pois para a elaboração do diagnóstico social, que permitirá desenvolver o trabalho de reabilitação psicossocial, é necessário que o Assistente Social tenha uma noção clara do diagnóstico e do prognóstico clínico, dos cuidados de enfermagem necessários e do grau de dependência do doente. “Na sua forma legitimada, a avaliação do Assistente Social tem tanta pertinência como a de qualquer outro membro da equipa” (Jonhson e Côrte-Real, 2000:35).

Por outro lado, o Assistente Social deverá conhecer a situação socioeconómica e habitacional do doente e do agregado familiar, compreender os seus modos de vida, hábitos, cultura, avaliar o grau de solidariedade e das relações interpessoais, que permitirão definir estratégias e adotar técnicas de intervenção mais adequadas à situação, envolvendo sempre a família como parte fundamental do processo. (Rodrigues, 2000:48)

Pode-se então considerar que a intervenção do técnico de Serviço Social se desenvolve junto dos diversos sistemas em interação, nomeadamente o doente, a família, as suas redes de suporte social e os serviços/instituições capazes de contribuir para a sua reabilitação e/ou bem-estar.

Um dos três componentes dos cuidados paliativos é o apoio psicossocial, que constituí uma das áreas do domínio do Serviço Social. Os fatores psicossociais assumem grande importância na saúde e na doença, já que estados emocionais negativos contribuem significativamente para o aparecimento de processos de doença, bem como os estados emocionais positivos podem agir como fatores protetores ao desenvolvimento de doenças, ou serem facilitadores nos processos de recuperação. (Reis, 1998:92)

A existência de uma rede de suporte social também influencia positivamente o estado de saúde das pessoas. O apoio social é definido como o grau em que as necessidades sociais básicas de um indivíduo são satisfeitas através da interação com outras pessoas ou instituições sociais.

O acompanhamento psicossocial ao indivíduo, família e outros membros da sua rede de suporte é um processo interventivo baseado numa relação profissional de confiança e compromisso mútuo, que requerem por parte do Assistente Social aceitação, compreensão, interesse autêntico, respeito pelo cliente e disponibilidade profissional (Jonhson e Côrte-Real, 2000:37).

No caso específico da problemática dos cuidados em fim de vida, as principais contribuições do Assistente Social consistem em:

  • Ajudar o doente a lidar com os problemas pessoais e sociais relacionados com a doença, deficiência e morte;
  • Reforçar a compreensão do doente e família sobre o diagnóstico, prognóstico e expectativas;
  • Avaliar os recursos existentes na família e comunidade, prevendo o surgimento de problemas com o avançar da doença;
  • Analisar as experiências passadas e a forma como o doente e a família lidaram com doenças e perdas;
  • Dar atenção às especificidades culturais e sociais próprias de cada família;
  • Informar o doente e a família sobre os direitos e recursos sociais a que podem aceder, para colmatar algumas das dificuldades geradas pela doença;
  • Apoiar e orientar a família em relação à sua reorganização, à comunicação aberta entre os membros e com o doente, à expressão de sentimentos e à resolução de problemas.

Para além da prática direta com o paciente e família aqui exposta, o Assistente Social exerce igualmente uma prática indireta que consiste no trabalho em equipa, na ligação com a comunidade, no suporte à equipa de gestão, na divulgação do trabalho e desenvolvimento de políticas e serviços e, por último, no treino e desenvolvimento das suas próprias capacidades de intervenção.

“Os que têm o dom do gesto espontâneo da compaixão
não sabem o bem que fazem.
 Convidam, sem disso se darem conta, os que assim tocam,
a abandonarem-se com confiança aos movimentos da alma”

                                                                    M. Hennezel

 

Referências bibliográficas:

CARAPINHEIRO, Graça (1983) Saberes e Poderes no Hospital, Porto, Edições Afrontamento.

HENNEZEL, M. (2002) : Diálogo com a Morte, Lisboa, Ed. Notícias.

JOHNSON, B. E CÔRTE-RAL, F. (2000) : O Som do Silêncio – Uma reflexão a partir do S. Social da Saúde em Hospital, Revista Intervenção Social, nº 21, Pp. 33-44.

KUBLER-ROSS, E. (1979) : Perguntas e Respostas Sobre a Morte e o Morrer, S. Paulo, Martins Fontes Ed. Lda.

KUBLER-ROSS, E. (1992): Sobre a Morte e o Morrer, S. Paulo, Martins Fontes Ed. Lda.

MARQUES, et al (1991) : Reacções Emocionais à Doença Grave: Como Lidar…, Coimbra, Ed. Psiquiatria Clínica.

REIS, J. (1998) : O Sorriso de Hipócrates, Lisboa, Ed. Vega.

RODRIGUES, A. P. (2000) : O doente Idoso e a Intervenção do Assistente Social na Equipa de Saúde Hospitalar, Intervenção Social nº 21, Pp. 45-52.

Internet

www.paliativos.com/program.html

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